terça-feira, 26 de agosto de 2008

uma lágrima pelo Estado e pelo povo angolano

uma lágrima
pelo povo e pelo Estado de Angola
Luíz Araújo

Neste tempo do Governo de José Eduardo dos Santos, as autoridades, ["competentes"], autorizaram a demolição do Mercado do Kinaxixe. Uma obra arquitectónica erigida no centro de Luanda e que foi um ícone da urbanização de Angola. O Governo desse senhor destruiu assim o património africano herdado da colonização europeia que nos co-engendrou como nação. O mercado do Kinaxixe era um marco do processo cultural que gerou a nossa identidade, portanto, também a de quem, ao mais alto nível, dirige o Governo do Estado que a destruiu.

O Mercado do kinaxixe foi transformado em escombros pela nova guerra civil em curso no território angolano. A guerra de assalto ao mercado movida contra todas as angolanas e angolanos por agentes dum poder exercido em promiscuidade com os seus negócios particulares para a construção de riqueza por via do uso abusivo de poderes e de bens públicos. É uma "guerra civil pacifica", desinformados, pensarão muitos, mas que em vários momentos já foi manchada pelo sangue de tantas vitimas do assalto à terra, especialmente da urbana, em Luanda. Uma guerra que está suceder à que houve entre "movimentos de libertação nacional", inaugurada para a captura do Estado, conseguida em 1975 pelo MPLA.

Poucos se aperceberam da Guerra da Terra porque, até agora, só um lado tem usado a violência, os esbulhadores que para isso se servem da autoridade e das armas do Estado contra o povo. As vítimas ainda não replicaram com o recurso á violência. Têm sido defendidos apenas pela denuncia pública desses ataques junto de entidades nacionais e internacionais. A organização que dirijo, a SOS Habitat tem sido uma das protagonistas dessa defesa pacifista que, entre outros efeitos, tem conseguido a contenção do gesto violento espontâneo de tantas vítimas desse assalto à terra. No entanto a impunidade tem sido sistematicamente garantida aos violadores.

Lembro que a guerra civil angolana foi gerada em nome da legitimidade duma revolução conduzida pelo MPLA que postulava o fim do capitalismo em Angola. Revolução que como o Mercado do Kinaxixe, e antes dele, também foi despejada na lixeira da nossa história pelos ex “revolucionários" que, entretanto, continuam a conduzir o partido-Estado que impõe a hegemonia do MPLA sobre a Administração do Estado. Desta herança da sua ditadura monopartidária é que, absolutamente, ainda não se descartaram e no entanto já não é constitucional desde 1991.

Portanto o Governo de José Eduardo dos Santos, objectivamente, destruiu e deitou fora a nossa riqueza material e cultural. Parte da memória colectiva da Cidade de Luanda e do País, em nome da realização de riqueza por particulares, foi transformada em lixo histórico. Um moderno shoping center de gente detentora e ou cliente do poder vai ser erguido no espaço do Mercado do Kinaxixe.

Antes desse cometimento, a mando do mesmo Governo, foi demolido o Palácio de D. Ana Joaquina e depois, no seu lugar, ergueram uma cópia desse edifício. Reagindo a esse delito, indignado, Lúcio Lara, deputado do MPLA, levou um pedaço secular dos escombros desse edifício à Assembleia Nacional onde, em nome de todos nós, chorou como uma das milhões de vítimas desse cometimento. Foi um gesto de protesto ousado com que, [minha percepção], contestou o Chefe do seu partido, [o MPLA], e do Governo e Estado de Angola, o senhor José Eduardo dos Santos. Afinal esse individuo é o responsável máximo pelos actos do Governo e do Estado em Angola. Portanto, esse cometimento e a impunidade com que foi agraciado não lhe são estranhos. Mas o gesto do deputado, além de serôdio, foi inócuo como demonstra a continuidade com total impunidade desse tipo de cometimento governamental.

Depois, em vários musseques, as casas do povo pobre foram demolidas e os seus habitantes abandonados ao relento nos escombros que delas restaram ou, sob ameaça das armas do Estado, despejados em depósitos de pobreza como os que o Governo do MPLA implantou na Calemba, Zango e Panguila. Os novos e mais emblemáticos bairros coloniais para indígenas construídos em Angola, paradoxalmente, no pós independência. No entanto, o cancioneiro popular a que o MPLA tanto recorreu na mobilização do povo contra o colonialismo português, cantava: “madaram-nos para os currais como se fossemos bois”. Agora o Governo do MPLA, conduzido por José Eduardo dos Santos faz exactamente o mesmo que o colonialismo português fez. Esses novos depósitos de pobreza são a concretização pelo endocolonialismo do paradigma de urbanização dos subúrbios da nossa capital adoptado por esse Governo do MPLA para afastar para além da Cidade, do Estado, [dos seus serviços e rendimentos], a maioria da população pobre e excluída que vive na capital do pais. Concretizam a fase planificada do apartheid social com que José Eduardo dos Santos está a desenvolver o seu regime endocolonialista.

Em qualquer momento serão outras praças do povo e muitas das nossas casas já marcadas que vão ser demolidas para com a nossa expulsão serem servidos outros. Outros que a guerra que obstaculizou tudo que podia ser feito em prol do bem-estar geral, no entanto, não impediu que acumulassem riquezas faraónicas.

Os nossos espaços públicos e particulares estão a ser esbulhados e tornados servidão e ou propriedade de outros para a concretização - à sua maneira - de projectos particulares - alegadamente com "fins também públicos" – mas em cuja concepção não participamos nem mandatamos ninguém para em nosso nome os autorizar. Claro que qualquer empresa comercial serve sempre o publico, vende ao público. Mas será que esse “serviço público” de particulares, [como vem sendo implantado], tem que ser imposto pela destruição de património colectivo e a expulsão de todos os outros?

Os lugares da Cidade estão a ser objecto de apropriação particular depois de terem sido, [de modo preparatório do esbulho], sujeitos aos efeitos predadores duma - desmazelada e ou mesmo demissionista - "gestão governamental" visando a realização de fins particulares.

Aspirações e direitos dos membros de toda uma sociedade estão a ser anulados para se realizar o património e o enchimento dos cofres dos "donos da terra" com capital, assim, conseguido de modo ilícito. Esse procedimento, contra tudo e todos nós, coloca José Eduardo dos Santos, assim como os seus agentes e clientes na condição de co-proprietários, [sem papel passado por quem de direito], do nosso país transformado numa imensa "Fazenda Angola", que está sendo o nosso espaço colectivo de sofrimento e morte. Ainda assim, pasme-se, essa "fazenda" continua a ser paradoxalmente discursada pelos seus predadores como sendo um país e um Estado de direito democrático.

A Comunidade Internacional - para quem os direitos humanos o Estado de direito e a democracia são essenciais ao desenvolvimento humano - cala-se perante o facto endocolonial. Tornou-se cúmplice, para não colocar em risco os seus negócios com a "Fazenda Angola". "Teme a crispação da atitude do Governo de José Eduardo dos Santos caso conteste a sua delinquência predadora tão sobejamente evidenciada. Não têm vergonha nenhuma desse cometimento contra nós, como demonstram os elogios que vêm tecendo à governação do MPLA dirigida por José Eduardo dos Santos, como recentemente fez o Primeiro Ministro português, José Sócrates, por ocasião da Feira Internacional de Luanda, FILDA. E, para esses representantes de países que são seculares predadores internacionais da humanidade, tudo fica só como uma questão de economia, de oportunidade e modernização do mercado e, alegadamente, até duma "bem intencionada" gestão urbana, como são "bem" entendidas e convenientemente acolhidas as justificações publicamente apresentadas.

Obviamente que, para os sequestradores do Estado angolano, a manutenção de marcos da historia do desenvolvimento da Cidade, da sua configuração, do seu mobiliário e cultura ancestrais, enquanto alicerces da nação angolana, não gera defesas nem receitas para a caixa dos chefes-de-posto da "democrática economia de mercado" angolana em construção que, nos dias que correm, está a ser refeita nos moldes da economia dum colonialismo.

Como há muito a história da humanidade registou, os valores identitários duma sociedade dominada são sempre perigosos para qualquer ditadura. São valores que mantêm viva a memória colectiva das comunidades sustentando a sua coesão e capacidade de resistência. Portanto, no caso angolano estão a ser apagados para em, consequência, nos apagarem enquanto cidadãos, transformando-nos num zero no computo geral duma economia politica que nos reserva no futuro o lugar consolidado de serventes dóceis duma ditadura endocolonial. O projecto endocolonial está a reproduzir em cada um de nós o monangabê colonial que, nos dias que correm nenhum Jacinto - poeta irreverente - convoca nem ao lamento dessa situação nem à rebeldia que está a gerar.

Por este andar, no futuro, a nossa memória acabará por reter só a obra do chefe-de-posto José Eduardo dos Santos e do MPLA, o "seu" partido. O MPLA é o primeiro e o principal refém da hegemonia pessoal que exerce sobre o Estado e o país. Corremos o risco de chegarmos a um ponto em que os registos demonstrarão que antes dele não houve nada e que tudo que então viermos a ser enquanto gente e país deveremos à sua saga predadora de bens materiais e culturais da comunidade angolana. Teremos então a percepção de que Angola é uma invenção de José Eduardo dos Santos a quem a história, [se registada com rigor], no mínimo, deverá apontar como o demolidor do património e da memória colectiva de Angola.

Se deixarmos essa estratégia ser levada até às suas últimas consequências por José Eduardo dos Santos e pelo seu refém principal, o MPLA - depois da nossa memória colectiva nos ter sido totalmente arrancada - da nossa cidadania restará só a sua "casca". Seremos então, enquanto cidadãos, um mero invólucro. Teremos sido transformados pela nossa redução politica à aparência de sermos cidadãos como, de facto, já é o que a maioria de nós é no contexto actual. A nossa substancia cidadã que nos dias que correm já está muito mal parada, nesse futuro sombrio que o endocolonialismo de José Eduardo dos Santos perspectiva, será então o que poderá produzir o nosso abandono em depósitos de pobreza e entulho material e cultural onde, [no apartheid social eduardino], a nossa cidadania definhará vigiada pelos chimbas e outros cipaios que usam contra nós as armas do "Estado" da "Fazenda Angola", feita terra esbulhada a "inútil gente gentia”, também, feita refém do bando desse ditador.

Respondendo ao apelo endocolonialista, para a realização desse projecto, competentes predadores estrangeiros já instalaram parcerias com predadores angolanos pela constituição de sociedades pretensamente "nacionalistas", em função da relação em co-propriedades onde os agentes económicos angolanos detêm mais do que 50% do respectivo capital. Parafraseando o angolano cognominado como "poeta maior", estamos objectivamente face ao debicar no inerte corpo africano que denunciou, só que, desta feita, esse debicar é concretizado com os olhos secos sob a condução de José Eduardo dos Santos, herdeiro do ceptro do poder do poeta e médico que foi o primeiro Presidente de Angola, o Dr. Agostinho Neto.

Se todas e todos nos resignarmos, se nos anestesiarmos com as migalhas que sobram da mesa do palácio do chefe-de-posto endocolonial ou com o medo de nos darmos pela liberdade, o perverso projecto económico, político e cultural endocolonial que está a estruturar a existência de Angola, será concluído como uma bem sucedida violação, extrema e rebuscada, da nossa condição natural de seres, humanos, livres e dotados de direitos, "respeitados" na "democracia" eduardina.

E assim Angola continuará, endocolonialmente, a ser uma terra boa para todos menos para os angolanos, como denunciou o cantor angolano Dog Murras. Como a sua cumplicidade demonstra, esta situação não é preocupação dos democratas humanistas da Comunidade Internacional, particularmente da que está representada em Angola. Especial e particularmente não é preocupação dos Estados europeus e da sua Comissão, cujos agentes e investidores na economia endocolonial eduardina, há muito que estão cegos e só funcionam em função do seu apetite por petróleo, da expansão dos seus mercados e da exploração de outros recursos naturais da nossa terra. Só vêm Angola como um el dorado onde podem facilmente realizar riqueza em vês de, primeiro e acima de tudo, perceberem o nosso país como um espaço de seres humanos iguais a eles.

Parece-me que assim será até que outro Fevereiro inscreva o nome de novos heróis na história da libertação de Angola. Infelizmente disto já me restam muito poucas duvidas, porque de muito pouco têm servido os nossos honestos e destemidos protestos pacíficos e porque menos ainda nos servirá, [como fez o Deputado do MPLA Lúcio Lara], depois de cada novo golpe, de modo angélico, continuarmos a levar à Assembleia Nacional "pedaços de nós demolidos e molha-los com as nossas lágrimas" nessa catedral da produção de aparências que realizam a fantasia da "democracia angolana para inglês ver contente”. O próprio senhor José Eduardo, honestamente, já nos disse e ao Mundo que a democracia e os direitos humanos não enchem a barriga a ninguém. Portanto está a ser coerente consigo mesmo.

Chegados a este ponto e momento da afronta endocolonial que nos submete, ao senhor dos Santos, o chefe-de-posto da "Fazenda Angola", assim como a todos os servidores e clientes do seu projecto endocolonialista, [por enquanto], só resta lembrar que quem semeia ventos colhe tempestades. Mas também, com a mais profunda convicção, aqui exprimo o meu desejo dessa colheita ter lugar num Setembro de eleitores em vês de num Fevereiro de heróis que, no entanto, objectivamente, é o que está a semear a condução predadora de Angola pelo senhor José Eduardo dos Santos. Libertemo-nos com urgência.

uma lágrima

domingo, 27 de julho de 2008

terça-feira, 29 de abril de 2008

A Cidade Tal & Qual

Luiz Araújo

 Espelho de quem tem, pode, faz, desfaz e manda...  e dos mais que muitos que porque não têm — sequer — quem lhes compre o litro, olham só os outros perguntando-se sobre o ter e o dar dos deuses. “Milhões de casebres sem nº, em becos sem nome, de bairros sem plano nem futuro”... [em tempo útil] “e a condizer, milhões de panelas cheias de nada”. Não vá acabar de repente a justificação da mão estendida à caridade cristã ocidental. A morte levando e a vida gerando mais morte, com os olhos arregalados como janelas abertas ao temporal dum pandemónio agravado.

Bolsas de ar condicionado - do ultimo grito - em estradas desventradas, a caminho do céu por essas vias metropolitanas, sob o olhar abuamado dos meninos, sem caderno, nem escola, nem mestre, nem futuro. Só — e só mesmo — à solta na turbulência das ruas e avenidas buscando “pão & patex”. Em estratégicas sobrevivências ganzadas, o futuro...

Modas & modelos elegantes, very sexy. Memoráveis noites de gala no Cine Karl Marx,  como se la belle Paris tivesse morada aqui. E a Joaninha dos carrapitos, doze anitos, na praça e na vida... num paraíso pedófilo, safando a barriga ao pai mutilado de guerra alcoólico, à avó sem mais força para lavadeira e aos manos pequeninos. A mãe foi à praça e nunca mais se soube dela.

Finos condóminos entre muros, com guarda pronta a disparar. Reinvenção local do medo do pobre, essa ameaça ao chefe e ao rico. E isso de ser-se ameaça não fica nada bem, não é? Mormente quando o terrorismo, filho da injustiça e da pobreza anda  - com toda a família azarada - à solta por aí, a aprontar contra a globalização e seus serviçais locais. Se apanhado o gajo, sovado, cadeia ou até despacho pró além. O dirigente, o chefe não rouba, o que tem é por direito. É quadro sacrificado a trabalhar pela nação e pela democracia. O que tem é merecido, sim senhor. A sorte da sabideza é que lhe dá. E até pra já, cada um saiu da mãe dele com o destino que Deus lhe deu.  Justiça? Estado de quê? Não, não, essa parte não, absolutamente. O monarca não concorda. Ocidentalizado sim senhor, mas nada de extremismos. Igualitarismos perante a lei? O quê? Só faltava mais essa. Afasta-te disso mazé. Pensam que estão aonde? Nada disso pá, alto lá, até aí definitivamente não!  Podem ser da civil e tudo, falem como quiserem, mas essa reacção aqui não passa mesmo. Corrup... quê? Ai, ai, ai, guaaardas! Guaaaaardas!

A cidade resigna-se, “esquece” o golpe e refaz-se de terra esbulhada. O gentio sem dinheiro pra pagar ao Dr. Advogado. Juntos — cidade e gentio — atirados mais para além da urbe e da sa(n)grada esperança. Qualquer dia o muceque estará a fazer labirintos lá no berço, em Catete. Já faltou mais. Havemos de lá chegar [ com ] as nossas tradições, políticas. O poeta enganou-se, ao inventar o projecto... (n)as nossas bebedeiras...

Prédios a gotejar água verde e viscosa, escorrendo cidade abaixo, fazendo lagoas para se brincar de canoa e patinho na piscina faz de conta, aparecida no musséquinho perto da Mutamba. Num lado do charco a vovó Mingota, ocupa o tempo vendo passantes e vendendo baratices. Do outro lado o maluco — no contentor do lixo - disputa um osso com o cão vadio e sarnento. Sai vitorioso com o trofeu entre os dentes e aquele olhar de génio ausente que só os loucos conseguem. O cão sem sorte foge ganindo, mordido.

Entretanto, nas escadas dum prédio duas famílias inteiras brigaram, a algazarra virou manchete de telejornal, reproduzida até pela CNN. O porco comeu o jantar do vizinho e a policia não veio resolver o caso, porque são pobres e desconseguiriam pagar a gasosa. E ninguém puniu a polícia por negligência.

Na rua, fiscais de raça raivosa aboletam-se com bugigangas de vendedores ambulantes. E uma cambista é assaltada à mão armada por agentes da autoridade. Levam-lhe a bufunfa toda, o banquinho e a sombrinha. 

Num cruzamento, indiferentes a tudo, um cego, um mutilado de guerra e a mãezinha com o caçula às costas — sem sindicato — disputam a caridade em território desordenado, numa estratégia mendiga "anárquica".  Alguém dá esmola, outro não, não tem também. Outro pecador - no carro reluzente - incomodado pela mão estendida dum desses esqueletos ainda xinga a miséria, porque é andrajosa, suja, repelente, dá má imagem  e isso não pode ser... quem de direito tem que tomar medidas contra essa calamidade... o que é que os estrangeiros vão pensar de nós? Cum caraças, Imaginem só a desgraça que havia de nos calhar. Até parece que ao serviço duma conspiração internacional, o monarca e todos os lacaios da corte se aliaram contra nós!

Um ministro, um arquitecto iluminado e um jurista comissário, encontraram a chave do segredo, olhando a urbe da janela dum prédio muito alto, vendo tudo  tão pequenino e de tão longe, fazem o plano director da cidade. Desta vez é que vai ser. O Governador zonzo depois dum puxão de orelhas do monarca, com ares de quem entende e pode, observa o plano e pergunta se têm gente lá. Se tem zango(me) com ela... O monarca e o Ministro concordam - mas não assinam o despacho. De boca, orientam:  acabe-se já com a "anarquia". Mande-se a  tropa e a policia, corra-se com os safados. Quem é que pensam que são? Cidadania e direitos? Qual quê! Desde quando... ? Aqui, enquanto durar esta ordem, mando só eu! Aqui chefe é chefe mesmo e vai continuar a ser chefe e até eleito, para mais cinquenta anos! Ou duvidam?

Na praça a vida continua como se nada tivesse subvertido a ordem e um cão sem dono [com mais sorte do que aquele que foi mordido pelo maluco] mete pena a um militar que com ele partilha o almoço, num acto de amor ao próximo. O maluco testemunha o acontecimento e espantado grita que a cidade enlouqueceu. Um velho abana a cabeça e diz que antes não era assim. E o neto que traz pela mão, pensa que o avô — com a idade - é que deve estar a enlouquecer. Mas se sempre foi assim, podia ser mais como então? Seguro de si pergunta-se o petiz.

Na avenida marginal, do lado de fora do gradeamento duma esplanada, desesperados comem com os olhos a fartura dos pratos e embebedam-se na miragem dos copos de cerveja suados. Pela participação óptica no banquete, percebem-se melhor na vida. É que o olhar  alimenta o espírito, cultiva... e cultura, a nossa, sempre a prezamos muito. 

Coisas da cidade e da sua gente vivendo o seu tempo, a cada momento do dia reinventando-se no ventre duma sina rigorosamente (des)planificada apenas por descuido dos deuses, só isso, uma falha menor e não intencional, compreensível, até altamente perdoável. Aliás já perdoada. Alguém pode ser culpado por actos divinos? Decerto que ninguém. Duvidas acerca disso, só mesmo na boca da tal de sociedade civil ou de jornalistas movidos de má-fé. Não liguem, não são nada...

Entretanto a cumplicidade da noite, escura aqui iluminada acolá. E a cidade mais a pobreza – tal & qual — reincidentes crónicos, aproveitam-se da noite e sem qualquer réstia de pudor acasalam-se em público, sobre um papelão imundo estendido por aí, ao calhas. E cumprindo um destino comum reinventam-se sonhando com um papelão mais digno, já para amanhã, talvez, quem sabe...

quinta-feira, 20 de março de 2008

Carta Aberta ao Primeiro-ministro de Portugal

Senhor Primeiro-ministro:
Em 17 de Março de 2003, um dia depois da cimeira dos Açores, o presidente George W. Bush anunciou o iminente ataque militar ao Iraque com a seguinte declaração:

«À Nação do Iraque,
Informação recolhida por este e outros governos não deixa dúvidas de que o regime iraquiano continua a possuir e esconder as mais mortíferas armas (...). O regime tem um historial de rude agressão no Médio Oriente. Tem (...) ajudado, treinado e protegido terroristas, incluindo operacionais da Al Qaeda. O perigo é claro: usando armas químicas, biológicas ou, um dia, nucleares conseguidas com a ajuda do Iraque, os terroristas poderiam concretizar as suas ambições assumidas de matar milhares ou centenas de milhar de inocentes no nosso e noutros países (...). À medida que a nossa coligação lhes retirar o poder, iremos distribuir a comida e os medicamentos de que precisam. Iremos desmontar o aparato de terror e ajudar-vos-emos a construir um novo Iraque que seja próspero e livre. No Iraque livre não haverá mais guerras de agressão contra os vossos vizinhos, não mais fábricas de venenos, não mais execuções de dissidentes, não mais câmaras de tortura e câmaras de violação. O tirano em breve partirá. O dia da vossa libertação está perto.»

Falar de liberdade e democracia no Iraque é um insulto à inteligência.
Em cinco anos de ocupação, o Iraque conta mais de um milhão de mortos e cinco milhões de exilados e deslocados. Muitos mais morrerão enquanto persistir a ocupação, e em sua consequência, vítimas da fome e da doença, da contaminação radioactiva, das catástrofes ambientais e humanitárias e do terrorismo de Estado e do promovido por indivíduos ou grupos.
Durão Barroso, que como primeiro-ministro teve especiais responsabilidades na campanha a favor da guerra, procurou limpar a face declarando que se enganara. Paulo Portas, então ministro da Defesa, que “tinha visto provas” da existência das armas de destruição maciça, refugia-se no silêncio. Jorge Sampaio, que enquanto Presidente da República aceitou o envolvimento português, nada diz diante da catástrofe.
Portugal tem sido cúmplice activo na guerra que levou à destruição de um país, ao sofrimento e morte de um povo – e ao agravamento da situação do Médio Oriente.
Na verdade, à destruição do Iraque somam-se a destruição do Afeganistão, o genocídio do povo palestiniano, o ataque ao Líbano, as ameaças ao Irão, o escândalo dos “voos da CIA” e das prisões secretas criadas pelos EUA à margem de qualquer lei. Todos estes factos fazem parte de um mesmo plano de domínio do Médio Oriente. E a justificação com que se cobre – a chamada “guerra ao terrorismo” – tem sido desmontada pelos factos e repudiada em todo o mundo por muitos milhões de pessoas.
Estas situações configuram violações do direito internacional, crimes contra a Humanidade e crimes de guerra a que Portugal não deve nem pode estar associado.







Senhor Primeiro-ministro,
Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana (art. 1º da Constituição da República) e o Estado subordina-se à Constituição (art. 3º). Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do Homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da cooperação com todos os povos do Mundo para a emancipação e progresso da humanidade (art. 7º, nº 1). Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão (art. 7, nº2).
Não haverá povos livres e soberanos enquanto não se respeitar a liberdade e a soberania de todos os povos. Nem se será digno de respeito enquanto não se respeitar o direito internacional e os direitos do Homem. Não haverá progresso e emancipação enquanto houver povos escravizados e colonizados.
Não é com terrorismo de Estado nem com guerras que se combate a fome e a pobreza, que se luta pelo progresso e pelo desenvolvimento.

Senhor Primeiro-ministro,
Portugal continua a ser parceiro de crimes cometidos pelos interesses imperialistas dos EUA. Não colhe o argumento de que o governo português foi enganado, nem é justificação o respeito por compromissos assumidos quando está em causa a violação do direito internacional.

É necessário mudar de rumo e, no cumprimento do espírito e da letra da nossa Constituição, é imperioso que o governo se demarque daqueles actos e desenvolva todos os esforços diplomáticos e políticos para acabar com os crimes citados e para respeitar os países e povos agredidos.

Pela passagem do 5.º ano de ocupação e do início do massacre dos iraquianos por tropas imperiais (regulares e mercenárias), as organizações signatárias exigem do Governo Português o cumprimento da Constituição da República, o exercício de uma política internacional de respeito pelos direitos humanos e pela soberania dos Estados.



Lisboa, 20 de Março de 2008
Conselho Português para a Paz e Cooperação
Rua Rodrigo da Fonseca, 56 - 2º 1250 -193 Lisboa, Portugal
Tel. 21 386 33 75 / Fax 21 386 32 21
e-mail : conselhopaz@netcabo.pt

sábado, 9 de fevereiro de 2008

CONCENTRAÇÃO / MANIFESTAÇÃO À PORTA DA ESCOLA DE MUSICA DO CONSERVATÓRIO NACIONAL DIA 11 – 2ª FEIRA – 10 HORAS DA MANHÃ

(concentração às 09.45)
Far-se-à uma concentração em defesa desta casa e do ensino especializado da música por ocasião da visita da Comissão Ministerial encarregue da sua "refundação" – ou seja – da redução do ensino público à sua ínfima expressão. Será entregue pelas Comissões de Pais e Professores, a esta Comissão, um manifesto que consubstancia o essencial das nossas posições. Seguidamente terá lugar, no Salão Nobre, um concerto dos alunos das Iniciações – Orquestra e Coros e outros grupos de câmara. Tragam as vossas T-shirts do Conservatório, crachás, cartazes, etc, o que considerem permitir a expressão da vossa indignação e pesar. Passem esta informação a todos os vossos familiares e amigos, a todas e todos que se preocupam com a defesa da nossa cultura e do ensino público. Ao longo da manhã será organizado um cordão humano em torno do quarteirão – precisamos de 500 pessoas – possamos estar 1000! . Por volta das 11h30 terá lugar uma Reunião de Professores onde serão analisadas novas tomadas de posição. Os Professores da EMCN

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Le Monde/Liberation: Pierre Falcone condenado a 4 anos de prisão por fraude

Le Monde
Pierre Falcone condamné à quatre ans de prison ferme pour fraude
d'affaires

Pierre Falcone a été condamné, vendredi 18 janvier, à quatre ans de prison ferme et à 37 500 d'euros d'amende pour fraude fiscale. M. Falcone a été reconnu coupable de s'être soustrait à l'impôt sur le revenu en 1996, 1999 et 2000. La 11e chambre du tribunal correctionnel de Paris est allée au-delà des réquisitions du parquet, qui avait réclamé deux ans de prison ferme à l'encontre de l'homme d'affaires.Le manque à gagner pour l'administration fiscale française s'élèverait à plus de 6,5 millions d'euros.

Pour sa défense, M. Falcone avait répondu qu'il n'était pas soumis à l'impôt sur le revenu en France, puisqu'il vivait aux Etats-Unis et au Brésil. Or les administrations fiscales américaine et brésilienne ont démenti avoir reçu des sommes de M. Falcone au titre de l'impôt sur le revenu.Pierre Falcone est également mis en cause dans plusieurs autres dossiers.

Le 11 décembre, il a été condamné à un an de prison de ferme pour avoir détourné des fonds aux dépens de la Sofremi, une société qui était, entre 1993 et 1995, sous la tutelle de Charles Pasqua. Il sera aussi jugé à l'automne dans le cadre de l'"Angolagate", une affaire de trafic d'armes au profit du régime du président Eduardo Dos Santos.

Liberation

L'homme du jour:Pierre Falcone condamné à quatre ans fermes pour fraude fiscaleRentré en France à l'automne après une absence de quatre ans, l'homme d'affaires Pierre Falcone a été condamné vendredi pour fraude fiscale par le tribunal correctionnel de Paris à quatre ans de prison ferme et 37.500 euros d'amende. Le parquet n'avait requis que deux ans de prison. L'administration fiscale, à qui la 11e chambre du tribunal a donné raison vendredi, reproche à Falcone de s'être soustrait à l'impôt sur le revenu en 1996, 1999 et 2000. Selon elle, il aurait omis de payer 5,8 millions de francs d'impôts sur le revenu en 1996, soit 890.000 euros, puis 3,6 MF (557.000 EUR) en 1999 et 33 MF (5,17 M EUR) en 2000.

Lors de l'audience du 16 novembre, ses avocats avaient répondu que leur client n'était pas soumis à l'impôt en France car il était domicilié au Brésil et aux Etats-Unis, ce qu'avait contesté le fisc pour qui il était «manifestement domicilié» en France, avenue Montaigne, à Paris.D'ailleurs, avaient précisé les services fiscaux, les administrations brésilienne et américaine ont déclaré que Falcone n'avait pas été soumis chez elles à l'impôt sur le revenu pour les années concernées.

Le 11 décembre, Pierre Falcone a déjà été condamné à un an de prison ferme dans le cadre d'un autre dossier, une histoire de détournements de fonds au préjudice de la Sofremi, société sous la tutelle de Charles Pasqua dans les années 1993-95.Falcone est également mis en cause dans une affaire de trafic d'armes en direction de l'Angola, baptisé «l'Angolagate», dont le procès devrait se tenir à l'automne à Paris. L'homme d'affaires avait quitté la France en 2003 après une année de détention provisoire dans le cadre de ce dossier. Il était visé depuis 2004 par deux mandats d'arrêt internationaux qui ont été levés le 3 octobre par la justice française, ce qui lui a permis de comparaître libre sous contrôle judiciaire et après le versement d'une caution.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Liberdade de imprensa no mundo: o ano 2007 em números

Em 2007, 86 jornalistas foram assassinados no mundo, o número mais elevado desde 1994. No Iraque foram assassinados 47 jornalistas, mais de metade do total mundial. Mais de dois jornalistas foram presos por dia, em média. Mais de 2600 sites e blogues foram interditos e 65 internautas presos. A maior censura teve lugar na China, antes e durante o 17º Congresso do partido comunista.
Relatório de "Repórteres sem fronteiras"
Em 2007:
- 86 jornalistas mortos
- 20 colaboradores de médias mortos
- 887 jornalistas processados
- 67 raptados
- 1511 agredidos ou ameaçados
- 528 médias censurados
E em relação à Internet:
- 37 bloggers processados
- 21 agredidos
- 2676 sites fechados ou suspensos
Para comparação, em 2006:
- 85 jornalistas mortos
- 32 colaboradores de médias mortos
- 871 jornalistas processados
- 56 raptados
- 1472 agredidos ou ameaçados
- 912 médias censurados
O número de jornalistas mortos aumentou 244% em cinco anos
Pelo menos 86 jornalistas foram mortos no mundo em 2007. Desde 2002, este número está em aumento constante. Em cinco anos, passou de 25 para 86, correspondendo a uma subida de 244%. É preciso regressar a 1994 para encontrar um número mais elevado. Nesse ano, 103 jornalistas encontraram a morte metade dos quais no genocídio do Ruanda, cerca de uma vintena na Argélia, vítimas da guerra civil, e uma dezena na ex-Jugoslávia.
No Iraque morreram mais de metade dos jornalistas assassinados em 2007. Todos os jornalistas mortos no Iraque (47 vítimas), à excepção de um repórter russo, eram de nacionalidade iraquiana. A maior parte trabalhava para médias iraquianos e foram vítimas de assassinatos orientados. O motivo é frequentemente difícil de estabelecer com precisão, mas está, em cada caso, ligado ao trabalho das vítimas ou à natureza dos média que os emprega. Os grupos armados visam os jornalistas dos média próximos de uma corrente religiosa, diferente da sua, e os que colaboram com órgãos de imprensa estrangeiros ou financiados por fundos estrangeiros.
Como de costume, as autoridades fazem prova de um imobilismo inquietante. O governo iraquiano não encontrou, até ao momento, qualquer resposta eficaz para esta violência. Uma das raras propostas feitas pelos dirigentes do país foi permitir aos jornalistas armarem-se, para poderem defender-se em caso de ataque...
Na Somália (8 mortos) uma vaga inédita de atentados pontuou um dos anos mais mortíferos desde há dez anos, no decurso do qual insurrectos islamistas atacaram as tropas do governo de transição e do seu aliado etíope. Neste contexto, enquanto que a imprensa estrangeira evita dirigir-se para um dos países mais perigosos do mundo, os jornalistas somalis, na primeira linha, foram as vítimas da violência e da anarquia.
Metade dos oito jornalistas mortos em 2007 foram vítimas de assassinatos orientados, perpetrados por assassinos contratados. Três de entre eles eram personalidades importantes do mundo dos média, incluindo o co-fundador da Rádio HornAfrik, um cronista célebre e o director do grupo de imprensa Shabelle Media. Desde estes assassinatos, a maior parte dos responsáveis dos média independentes deixaram o país por medo de serem os próximos na lista. Os jornalistas de Mogadiscio temem que a sua cidade se torne numa "pequena Bagdade".
No Paquistão (6 mortos), os atentados suicidas e os combates violentos entre o exército e os islamistas explicam em parte o aumento do número de jornalistas mortos em 2007. Muhammad Arif, da cadeia Ary One World, é uma das 133 vítimas do atentado suicida que visou Benazir Bhutto, em Outubro, em Carachi. Em Abril, um kamikaze que queria assassinar um ministro matou 28 pessoas incluindo Mehboob Khan, um jovem fotógrafo free-lance.
Em Junho, foi Noor Hakim, do diário em urdu Pakistan e vice-presidente da União dos jornalistas das zonas tribais (TUJ), que foi morto num atentado cometido na zona tribal de Bajaur (Norte-Oeste). Javed Khan, operador de câmara da DM Digital TV, foi morto enquanto cobria, em Julho, o assalto à Mesquita Vermelha, em Islamabade, pelas forças de segurança.
No Sri Lanka (3 mortos), a intensificação dos combates entre as forças de segurança e os Tigres tamil é acompanhada por uma guerra suja conduzida por militares e para-militares contras os jornalistas tamil, especialmente em Jaffna. Em 2007, o diário Uthayan foi particularmente visado: um jovem jornalista foi assassinado e um secretário de redacção foi raptado. Dois outros repórteres foram mortos nas zonas controladas pelo governo.
Na Eritreia (2 vítimas), país colocado na última posição da classificação mundial da liberdade de imprensa estabelecida por "Repórteres sem fronteiras" (RSF), um jornalista foi morto na prisão. Fessehaye Yohannes, chamado de "Joshua", uma das maiores figuras da vida intelectual do país, foi morto no início de 2007, provavelmente devido às condições de de detenção extremamente duras. Alguns meses mais tarde, um outro jornalista, Paulos Kidane, foi morto por esgotamento enquanto tentava fugir do seu país. Não suportava ter sido encarcerado e torturado no ano anterior.
Menos colaboradores de médias (motoristas, tradutores, técnicos, agentes de segurança, etc) foram mortos em 2007 que no ano anterior (20 em 2007 contra 32 em 2006). (...)
Dois processos essenciais em 2008
Cerca de 90% dos assassinatos de jornalistas ficaram total ou parcialmente impunes. Frequentemente, os governos dos países onde os jornalistas foram mortos esperam que o tempo e o esquecimento proteja os assassinos de qualquer sanção. "Repórteres sem fronteiras" luta contra esta impunidade continuando a mobilizar-se, ano após ano, sobre casos antigos.
Assim, em 2007, a organização denunciou, nove anos depois dos factos, o comportamento escandaloso das autoridades do Burkina Faso que deram por encerrado sem conclusão a investigação sobre o assassinato do jornalista Norbert Zongo, quando existiam elementos decisivos contra elementos da guarda presidencial. RSF igualmente condenou firmemente os bloqueios à investigação do assassinato, em Dezembro de 2004, do seu correspondente Deyda Hydara, na Gâmbia. Neste caso, a pista mais séria conduz aos corredores do palácio presidencial.
"Repórteres sem fronteiras" pediu igualmente o alargamento do mandato do futuro tribunal internacional para o Líbano a todos os assassinatos cometidos no país desde 2004, incluindo os dos jornalistas Gébrane Tuéni e Samir Kassir, mortos em 2005. (...)
Hrant Dink, director da revista turco-arménia Agos, foi morto a 19 de Janeiro de 2007 numa rua de Istambul. Provavelmente praticado por militantes ultranacionalistas turcos, o processo dos seus presumíveis assassinos, que deve recomeçar a 11 de Fevereiro de 2008, deverá estabelecer todas as responsabilidades neste caso e fazer luz sobre as eventuais cumplicidades nas forças da ordem.
O processo dos assassinos de Anna Politkovskaia é aguardado com impaciência. Em pleno ano eleitoral - a eleição presidencial está prevista para 2 de Março - a Rússia deve pôr fim à longa série de assassinatos de jornalistas que continuam impunes. Dezoito jornalistas foram mortos desde a eleição de Vladimir Putin para a presidência, em Março de 2002. Anna Politkovskaia foi a última. Só um destes assassinatos foi deslindado e os seus responsáveis levados à justiça.
Mais de dois jornalistas presos por dia em 2007
A 1 de Janeiro de 2008, 135 jornalistas estavam presos no mundo. Este número quase não varia desde há alguns anos. Os jornalistas libertados são imediatamente substituídos por novos detidos. No total, 887 jornalistas foram privados da liberdade no decurso de 2007. É no Paquistão que "Repórteres sem fronteiras" recenseou o maior número de casos de processos contra jornalistas: 195. Vêm em seguida Cuba com 55 prisões e o Irão com 54.
A China (33 jornalistas presos) e Cuba (24) são, desde há quatro anos, as duas maiores prisões do mundo para os profissionais da imprensa. Os governos de Pequim e de Havana libertam os jornalistas a conta-gotas, no final da sua pena. E outros substituem-nos entretanto.
No Azerbeijão, sete novos jornalistas foram presos em 2007, elevando para oito o número total de detidos. Esta situação, nova no país, reflecte uma verdadeira degradação da liberdade da imprensa e um endurecimento das autoridades para com os jornalistas mais críticos.
Aos 135 jornalistas presos, é necessário juntar 65 ciberjornalistas detidos por se terem exprimido na Internet. A China conserva a liderança nesta corrida à repressão com 50 ciber-dissidentes atrás das grades. Outros oito estão na prisão no Vietname. No Egipto, o jovem internauta Kareem Amer foi condenado a quatro anos de reclusão por ter criticado o chefe de Estado no seu blogue e denunciado o controlo dos islamistas nas universidades do país.
A prisão não é o único meio de privar um jornalista da sua liberdade. Em 2007, pelo menos 67 profissionais dos médias foram raptados em quinze países. A zona mais arriscada continua a ser o Iraque, onde 25 jornalistas foram raptados desde o início de 2007. Dez reféns foram executados pelos seus raptores. No Afeganistão, os dois colaboradores do jornalista italiano Daniele Mastrogiacomo, raptados em Março de 2007, foram mortos pelos raptores. No Paquistão, cinco jornalistas foram raptados, alguns pelas próprias forças de segurança, antes de serem soltos sãos e salvos.
Pelo menos 14 jornalistas estão actualmente presos como reféns, todos no Iraque.
Mais de 2600 sites e blogues censurados
Governos como os da China, da Birmânia ou Síria tentam fazer da Web uma Intranet, uma rede limitada às trocas no interior do país, entre as pessoas devidamente autorizadas. Pelo menos 2676 sites na Internet foram fechados ou suspensos no mundo em 2007. A maioria destes sites eram fóruns de discussão.
A censura mais forte teve lugar antes e durante o 17º Congresso do Partido Comunista Chinês. Cerca de 2500 sites, blogues e fóruns foram interditos em algumas semanas. A Síria destacou-se igualmente, bloqueando mais de uma centena de sites e serviços Internet no fim de 2007. A rede social Facebook, o serviço de e-mail Hotmail assim como o programa Skype estão inacessíveis. Os três são acusados pelo governo de Damasco de terem sido infiltrados pelos serviços secretos israelitas.
Em Outubro de 2007, durante as manifestações dos monges birmaneses, a junta militar de Rangum tentou parar o fluxo de informações que saíam do país por via da Internet, cortando pura e simplesmente o acesso à Internet. Dos sites críticos para com o regime, a censura estendeu-se a todos os meios de comunicação: câmaras de televisão, aparelhos de fotografia, telefones portáteis, etc. (...)
relatório dos Repórteres sem Fronteiras http://www.rsf.org/article.php3?id_article=24908